RESUMO : PSICOPOLÍTICA: O
NEOLIBERALISMO E AS NOVAS TECNICAS DE PODER.
Raul - May 26, 2019 9 min
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A ideologia atual nos faz
acreditar que somos projetos livres e não sujeitos submissos. Note que há uma
passagem de sujeito para projeto. A ideia de projeto não se apresenta como
escancarada coerção, mas sim como uma forma de subjetivação e sujeição. Essa ideia
de “eu” como projeto faz com que nós nos submetamos a obrigações internas,
entre elas: desempenho e otimização.
Nesse momento histórico a
liberdade nos coage. Han parte da dualidade de liberdade de poder e dever
disciplinar. Desta divisão ele ergue que a liberdade de poder produz mais
coações que o dever disciplinar. Enquanto o dever tem um limite o poder não
tem. Ele define que liberdade é estar livre coerções, porém essa liberdade de
poder nos produz coerções.
Atualmente, o sujeito é o
sujeito do desempenho ele parece ser livre pois a ideologia em questão
(neoliberalismo) faz com que o sujeito acredite não ter senhores. A ideia que
vem se fortalecendo é que o homem é senhor de si mesmo, logo seu fracasso e
sucesso só dependem de si, esse é o sujeito do desempenho. Um sujeito que se
auto-explora de maneira voluntária. Fica, então, mais claro como a verdadeira
liberdade não existe nesse sujeito, ele, de fato é servo, senhor e servo de si.
Esta é a anunciação da nova forma de sujeição.
Posto isto, Han questiona a
suposição de Hegel, que o trabalho liberta o servo, já que em sua concepção o
sujeito neoliberal é servo e senhor de si, como já dissemos.
O sujeito neoliberal é
conduzido a um isolamento da sociedade, já que ele não depende dela, dos
outros. Todavia liberdade é uma palavra relacional, o homem só é livre em
comunidade, se se realiza conjuntamente. Nesse ponto Han concorda com Marx e se
aprofunda. Quando competimos com os outros, e não colaboramos, o capital se
multiplica, mas a liberdade não. Quem se liberta é o capital. E, nesse
processo, a ideia de liberdade individual se mostra, nada mais, nada menos, que
a servidão ao capital.
- A ditadura do capital.
Marx sustentou a tese de
que, em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas (força de
trabalho humana, modo de trabalho e meios de produção) entram em contradição
com as relações de produção dominantes (de propriedade e dominação) e, dessa
contradição, crise, surgiria a ordem social comunista.
Han discorda dessa tese.
Para ele, o capitalismo industrial mutacionou em neoliberalismo e em
capitalismo financeiro com modos de produção imateriais e pós-industriais,
demonstrando que até esse ponto as previsões de Marx não se realizaram.
Indo além, o sistema
neoliberal não é mais um sistema de classes em sentido estrito, já que o
sujeito é o senhor e o servo de si. Por isso o neoliberalismo tem uma forte
estabilidade. Atualmente somos dominados por uma nova ditadura, a ditadura do
capital.
Quem fracassa na sociedade
neoliberal de desempenho, não questiona a sociedade, mas questiona a si mesmo.
Atualmente, ao invés de
trabalharmos para suprir nossas necessidades, trabalhamos para suprir as
necessidades do capital. Enganamo-nos assim, sendo expulsos do plano imanente
da vida, que é onde a vida se relaciona consigo mesma em vez de se sujeitar a
um fim extrínseco.
Traçando uma breve linha da
história da política podemos notar que, numa primeira parte, as premissas eram
fundadas na religião, tendo então uma ordem transcendente; posterior a essa
ordem surge a Modernidade na qual o discurso imanente impera; enquanto que,
hoje há uma nova transcendência, a do capital.
- A Ditadura da
Transparência
Han defende que o
neoliberalismo transforma o cidadão em consumidor. A liberdade de ser cidadão
dá lugar a passividade de consumidor. O eleitor, nesse esquema, não tem
interesse real pela política, pela formação ativa da comunidade. Ele apenas
reage de forma passiva, criticando e reclamando, como o consumidor faz.
Políticos e partidos seguem a lógica do consumo. Eles se degradam a
fornecedores.
A transparência não aparece
nos processos políticos de decisão, que pouco interessa ao consumidor político.
Ela se mostra para transformar indivíduos em objeto de escândalo para
espectadores a serem escandalizados. E é assim que funciona a democracia, uma
democracia de espectadores.
Com a era digital, evolui-se
a a era da psicopolítica digital, que nos leva a uma nova crise de liberdade,
onde até a vontade própria é atingida. Os Big Data são elementos importantes
nesse processo, eles alcançam um conhecimento que permite influenciar na psique
do sujeito.
Os Big Data permitem um
prognóstico sobre o comportamento humano e torna possível prever e controlar os
sujeitos. Os Big Data anunciam o fim da pessoa e do livre-arbítrio para Han.
-Poder Inteligente
O poder pode agir de
diversas formas. A forma mais direta e imediata é como negação da liberdade.
Mas o poder máximo não reside na coerção. O poder é maior quanto mais
silenciosamente ele atua, de forma a não chamar atenção para si.
Hoje o poder assume uma
forma permissiva, afável, ele se apresenta como liberdade. Dessa forma o
neoliberalismo age de uma forma que faz as pessoas se submeterem ao contexto de
dominação por si mesmas. Ele torna as pessoas não em obedientes, mas em dependentes.
Atualmente há uma crise de
liberdade que consiste em estar diante de uma forma de poder que não rejeita
ela, mas, ao contrário, a explora. O sujeito é seduzido ao invés de ser coagido
ou ameaçado.
- Biopolítica
Para Foucault desde o século
XVII o poder passa a ser disciplinar. Esse poder, diferente do anterior, que
era um poder de morte, é um poder de vida. Ele busca afirmar a vida,
administrar os corpos e gerir de forma calculista a vida. Essa alteração se deu
devido a alteração das formas de produção: a passagem da produção agrária à
industrial. O corpo é inserido em um sistema de normas. Nota-se também que
nesses dois poderes se produz o sujeito da obediência.
A biopolítica como
preocupação com as taxas de natalidade e mortalidade, qualidade da saúde e a
estimativa de vida controla os corpos.
Foucault defende que a
biopolítica é uma técnica de governança da sociedade disciplinar e que ela, por
isso, é inadequada ao regime neoliberal, que explora a mente das pessoas. A
biopolítica usa estatísticas demográficas, não tendo acesso ao psíquico. Com o
advento dos Big Data surge a possibilidade de acessar o psíquico dos sujeitos.
- O Dilema de Foucault
Com o fim de “Vigiar e
Punir” Foucault se dá conta que a sociedade disciplinar não reflete exatamente
o seu tempo. Dessa forma em 1970 ele se dedica a analisar as formas de governo
neoliberais.
Foucault vincula a
biopolítica à forma disciplinar do capitalismo, sendo uma forma que age no
biológico, no somático, no corporal. Assim trata-se de uma política dos corpos.
Porém o neoliberalismo já
não se preocupa tanto com essa forma de dominação. Antes, descobre a psique
como força produtiva, surge uma virada para a psicopolítica. Processos
psíquicos e mentais são otimizados para o aumento da produtividade.
- A Cura como Assassinato
A psicopolítica neoliberal
inventa formas de exploração cada vez mais refinadas, os coaches, fins de
semanas motivacionais etc. Não se visa explorar apenas a jornada de trabalho,
mas o próprio ser humano.
Bloqueios, debilidades e
erros devem ser removidos terapeuticamente em vista de melhorar o desempenho.
Os valores antigos são
eliminados. Busca-se o esgotamento e isso gera doenças mentais como a
depressão, ansiedade, burnout, além desse processo fazer crescer o suicídio por
excesso de trabalho.
Essa ideologia de otimização
toma características religiosas e fanáticas. Há uma luta consigo como se
lutasse contra um inimigo. Essa psicopolítica neoliberal destrói a alma humana.
Acura se torna em assassinato.
- O Amável Grande Irmão
No romance 1984 George
Orwell cria uma sociedade em que impera o Estado de vigilância, nela é
instituída a “Novafala” que busca suprimir a “Velhafala” de forma que se reduza
a liberdade de pensamento. Com o tempo o número de palavras diminui e a
liberdade de consciência se torna menor.
Diferente do pan-óptico
digital, que faz da “liberdade” poder, com o estímulo e a exposição, o Estado
de vigilância reduz a “liberdade”. Porém todos os dois procuram o controle
psicológico. As técnicas do Grande Irmão são, ainda, a lavagem cerebral com
eletrochoques, privação do sono, isolamento, drogas e torturas física. Existe
também um Ministério da Pujança que impede que haja bens de consumo suficientes
para todos, de modo que se crie uma dependência maior,
A diferença entre o Estado de
vigilância de Orwell e o pan-óptico digital de hoje é que este não tortura as
pessoas, mas se tuíta ou o indivíduo posta suas particularidades que serão
usadas como forma de controle. Não há um Ministério da Verdade. A transparência
e informação, em suma a auto exposição substitui a verdade.
Essa técnica de poder
neoliberal é permissiva e projetiva, diferente da do romance de Orwell. O
princípio não é a negatividade, mas a positividade.
- O Capitalismo da Emoção
Sentimento e emoção tem
diferenças. As emoções são mais fugazes e curtas que os sentimentos. Já o
sentimento apresenta um estado. As emoções, como se subentende, não dura. Não
existe coisa como emoção de tranquilidade, mas, sim, estado de tranquilidade. A
emoção é dinâmica, situacional e performativa. O capitalismo pode explorar a
emoção. Já o estado, o sentimento é mais difícil de ser explorado.
Han assume que a emoção
recentemente se tornou um meio de produção. O neoliberalismo usa as emoções
como recursos para alcançar mais produtividade e desempenho. Em um momento da
produção a racionalidade que é fundamental na sociedade disciplinar atinge seus
limites e cede lugar a emocionalidade. A liberdade, enquanto permite as emoções
correrem livres, é explorada pela técnica neoliberal, que explora essa subjetividade.
A objetividade, marca da
racionalidade, é oposta a emocionalidade, que é subjetiva, situacional e
volátil. A primeira está associada as mudanças, de estado ou percepção. De modo
que se aumenta a produtividade o capitalismo em questão impulsiona a
transformação emotiva do processo de produção, reduz a continuidade e instaura
a instabilidade. As emoções são usadas para criar necessidades e estimular a
compra.
- Gamificação
De forma que se gere mais
produtividade o capitalismo da emoção usa o jogo, no trabalho e na vida fora
dele, sendo uma prática de motivação. Essa é uma forma de incluir emoções à um
trabalho que era meramente racional.
- Big Data
Nessa parte Han se pergunta
se os Big Data podem, além de monitorar o comportamento humano, sujeita-los a
um controle psicopolítico.
Para responder essa questão,
Han separa o iluminismo em 3 partes. O primeiro é caracterizado pela razão.
Nesta etapa suprimiu-se a imaginação, a corporalidade e o desejo. Essa
supressão transformou ele em barbárie. O segundo iluminismo busca a
transparência, tudo se torna dados e informação, há um fetichismo, ou
totalitarismo, de dados. O terceiro iluminismo está surgindo, ou prestes a
surgir, ele deve mostrar que esse iluminismo digital provoca servidão.
Para Han o dataísmo é uma
forma de niilismo, é ideologia que se opõe a ideologias e é uma renúncia ao
sentido. Ele usa a ideia do quantified self, o Eu Quantificado, que é uma forma
de auto rastreamento, autoconhecimento através dos números. Todavia, os números
não contam uma narrativa, mas o Eu se deve a uma narrativa para encontrar a si
e se autoconhecer. O dataísmo esvazia o auto monitoramento de qualquer ética e
verdade, o transformando em simples autocontrole. Então o sujeito se auto
explora e se autovigia.
Devido ao fato de que nossos
hábitos digitais são milimétricamente guardados eles podem representar de forma
até mais exata nossa imagem da que temos de nós.
Seguindo essa ideia, Han
eleva a tese de que, talvez, os Big Data tornam legíveis desejos que não nos
eram conscientes. Há, provavelmente, uma proximidade psíquica do Id freudiano
que escapa ao Ego consciente. O Ego se forma a partir do Id que é explorado.
Assim ele defende que os Big
Data podem promover também padrões coletivos de comportamento que nos são
inconscientes.
- Para Além do Sujeito
Nietzsche defende que a
“naturalização” do homem depende de sua “ disposição para o absolutamente
repentino e entrecruzado”. Esse acontecimento que entrecruza o que é válido até
a ordem existente é imprevisível e repentino, não se pode calcular ou prever.
Ele rompe o sujeito e o arranca da sua sujeição, permitindo a liberdade.
Acontecimento é a inversão
de uma relação de forças, surge uma constelação do ser diferente, ele é uma
subversão da dominação.
Vivência e experiência se
distinguem a experiência serve para destruir com o sujeito. Sujeito é estar
submetido. A experiência acaba com isso. Ela é a saída da psicopolítica
neoliberal da vivência, ou da emoção.
A arte de viver como prática
da liberdade se realiza ao matar a psicologia e criar “outras individualidades,
seres, relações, qualidades que não tenham nomes” (Foucault)
Referência bibliográfica:
Han, B. C. (2014a).
Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas
técnicas de poder.
Barcelona: Herder
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