A INVISIBILIDADE DO MAGISTÉRIO BRASILEIRO NO DELICADO PROCESSO DE RETORNO ÀS AULAS PRESENCIAIS DURANTE A PANDEMIA
Seguidamente ouvimos debates
acerca do retorno às aulas, no Brasil, durante a pandemia. Sobre o assunto,
falam os infectologistas, falam os médicos, falam as mães, falam secretários da
educação, falam os prefeitos, vereadores. Ministro da educação não fala porque
não temos, ou temos? Falam os alunos, falam os repórteres, falam os programas
de TV, só os professores não falam. Pior, sequer são mencionados nesse processo
como se não fizessem parte dele.
Hoje, cruzei pela televisão
no horário do programa “Encontro”, sentei para ver a simulação de um ambiente
de sala de aula em que uma tinta foi usada para representar o novo coronavírus,
detalhe, nessa simulação só havia duas pessoas na sala. Em pouco tempo mesas e
vários objetos ficaram tomados pela tinta fluorescente que representava o
vírus. Em seguida uma especialista foi entrevistada, não prestei atenção no seu
nome ou especialidade. Ela falou sobre esse processo de volta às aulas
presenciais. Mencionou a importância do retorno escalonado para que as salas
não fiquem lotadas. Minimizou o perigo desse regresso ao dizer que as crianças,
na maioria, não são infectadas e, quando são, apresentam apenas sintomas leves.
Citou também a importância da escola para as crianças, mas não falou dos
professores, nunca, uma única vez.
Por puro vício de linguista
que adora Análise do Discurso, fiquei contando nos dedos as vezes em que ela
pronunciava a palavra “crianças”, perdi a conta, foram muitas, ao mesmo tempo
em que esperava ansiosamente a inclusão da palavra “professores”, não houve. A
eterna invisibilidade do magistério brasileiro gritava no discurso dessa
senhora e me embrulhou o estômago.
Estava ali, naquela fala,
vergonhosamente escancarado o desrespeito pelos professores e a visão que a
nossa sociedade possui da “escola”. Quando uma categoria tão fundamental nesse
processo, sequer é mencionada, é porque não existe para esse sujeito do
discurso. Excluídos os professores desse processo, a escola é reduzida a espaço
de socialização, depósito de crianças para que os pais trabalhem, tulha para
que os adolescentes não fiquem ociosos. A escola passa a ser tudo, menos espaço
para a construção do conhecimento.
A omissão da palavra “professores”
quando se referem a esse retorno é também um desrespeito pelas nossas vidas,
como se a nossa vida, a nossa saúde não fosse importante. Penso no quadro
docente da minha escola e, através dele, traço um parâmetro. Poucos não estão
no grupo de risco. A maioria possui comorbidades. Entre os jovens e saudáveis,
estão as grávidas. Isso sem considerar a carga de trabalho desses
profissionais, muitos trabalham em mais de uma escola. Em escolas de cidades
diferentes e precisam de transporte público.
Fico pensando no nosso
esforço, na nossa luta para manter a qualidade do ensino neste ano letivo
atípico. Fomos pegos de surpresa, como todos. A maioria de nós nunca estudou
para dar aulas à distância. Aprendemos na marra, no susto. Nossa casa se
transformou em estúdio. Nosso celular em instrumento de trabalho e voz para dez
turmas, cerca de quatrocentos alunos e mais seus pais (no meu caso). Em tempos
de aulas presenciais, meu celular estava sempre no silencioso para não
perturbar, agora também porque muitos alunos e pais não respeitam dia nem
horário. Trabalhamos em duas plataformas e quatro frentes: classroon, whatsapp,
diário online e material impresso. Todo dia chega uma nova exigência, a mais
nova é postar o plano de aula na íntegra, também no diário online. Quando falam
em retorno, falam em retorno escalonado para os alunos. E o retorno dos
professores também será escalonado? Ou teremos de assumir tudo, aulas
presenciais e à distância? É sobre isso que nossos sindicatos precisam ficar
atentos. Não há como dar conta de aulas presenciais e à distância ao mesmo
tempo, se for assim, os que não morrerem de Covid19, vão morrer de exaustão.
Ainda tem as lives, quase todo dia, para que os professores escutem, escutem,
escutem. Quando nos será concedido o lugar de fala nisso tudo? O magistério é
silenciado na educação brasileira desde o Brasil colônia, todas as decisões vêm
de cima, de especialistas que já não estão no chão da sala de aula há tempos.
Mais que ouvir, necessitamos também falar e, acima de tudo, precisamos ser
ouvidos!
Por Márcia Friggi