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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Enredo da Mangueira - Entrevista a Leonardo Boff
Divulgando...
Enredo da Mangueira – Entrevista
a Leonardo Boff
O enredo da Escola de Samba
da Mangueira: os ultra-conservadores representam os que tramaram a condenação
de Jesus
Ultra-conservadores de hoje
representam os que tramaram a condenação de Jesus, diz Leonardo Boff sobre
ataques à Mangueira
Entrevista a Romolo Tesi
24 de janeiro de 2020 – UOL
24 de janeiro de 2020
Teólogo Leonardo Boff
Em mais um pré-Carnaval
agitado, a Mangueira vem sendo alvo de ataques na internet por conta do enredo
de 2020, sobre Jesus Cristo – “A verdade vos fará livre”. A ideia, saída da
cabeça do carnavalesco Leandro Vieira, da volta de Jesus pelo Morro da Mangueira,
próximo dos pobres e de minorias perseguidas, representado de diferentes formas
– mulher, negro, índio e outros – incomodou segmentos cristãos mais
conservadores. Até ameaça de ação na Justiça a escola já sofreu.
Para comentar o enredo, e
toda repercussão, o Setor 1 ouviu o teólogo Leonardo Boff, um dos expoentes da
Teologia da Libertação, que compartilha com a Mangueira de 2020 a visão de um
Jesus Cristo mais humano – menos o Jesus Glorioso, mais o amigo e defensor dos
pobres.
“Essa dimensão de Jesus foi
especialmente enfatizada pela Teologia da Libertação, que tem nos oprimidos e
nos crucificados na história seu ponto de partida e de ação. Ela quer, como
Jesus, libertar toda esta gente. Essa é a mensagem clara do enredo da
Mangueira”, declara o teólogo, que critica a reação mais extremista ao trabalho
de Vieira: “os ultra-conservadores de hoje representam os que tramaram a
liquidação de Jesus”.
“A Mangueira, com seu enredo
e sua arte, fez uma pregação melhor do que qualquer uma, de padre, de bispo ou
de cardeal”, afirma.
Veja a entrevista na
íntegra:
O carnavalesco da Mangueira,
Leandro Vieira, escreveu um enredo em que imagina a volta de Jesus Cristo ao
mundo atual, mas renascendo na Mangueira, filho de pais pobres e vítima das
mesmas mazelas que os favelados sofrem atualmente, mas sendo apresentado ao
Carnaval como algo libertador em relação ao sofrimento. O que acha dessa forma
de ver a figura de Jesus Cristo? Pela sinopse, é possível ver quais pontos de
conexão com a Teologia da Libertação?
R: Uma vez que o Filho de
Deus se fez homem e se encarnou, nunca mais abandonou a humanidade. Ele
continua sempre vindo e fazendo-se presente na história, principalmente no
pobre, no negro, no índio, na mulher marginalizada, nos homoafetivos, no menino
e menina de rua. Sua paixão dolorosa continua até o fim dos tempos. Enquanto
houver irmãos e irmãs dele sendo oprimidos e novamente crucificados, lá está
ele sofrendo e sendo crucificado junto com eles. Isso é doutrina tradicional da
Igreja. Não há erro nenhum naquilo que a Mangueira afirma. A questão é que a
maioria dos cristãos esquece essa verdade. Vive uma fé só cultural e não de
convicção. Então o samba da Mangueira expressa concreta e belamente esta
venerável tradição. A Estação Primeira é a Nazaré de hoje. Jesus foi pobre bem
concretizado hoje pelo “rosto negro, pelo sangue índio, pelo corpo de mulher
marginalizada, “pelo moleque pelintra do Buraco Quente… é o Jesus da Gente”.
Maria foi uma mulher simples do povo e assistiu com profunda dor de mãe à
crucificação do Filho. Por isso ela encarna bem a “Mãe das Dores-Brasil”, pois
milhões de brasileiros e de brasileiras estão sendo crucificados pela expulsão
de suas casas, de suas terras, pela fome e pelas doenças. Essa dimensão de
Jesus foi especialmente enfatizada pela Teologia da Libertação que tem nos
oprimidos e nos crucificados na história seu ponto de partida e de ação. Ela
quer como Jesus libertar toda esta gente. Essa é a mensagem clara do enredo da
Mangueira. Quem não entender isso, perdeu a atualidade da mensagem da
Mangueira.
A Mangueira tem sido alvo de
ataques da extrema-direita e de certos segmentos cristãos depois do anúncio do
enredo sobre Jesus Cristo. O instituto conservador Plinio Corrêa de Oliveira
organizou um abaixo-assinado e estuda um ação na Justiça contra a escola de
samba. O que acha dessa postura? Como se defender de ataques como esse?
R: Não devemos esquecer que
Jesus não morreu porque caiu um caibro grosso na cabeça dele, já que era como o
pai também carpinteiro, nem foi atropelado e morto por um camelo pesadão. Ele
foi perseguido, caluniado e condenado à morte de cruz pelos religiosos da
época, os sacerdotes, os doutores da lei, pelos piedosos como os fariseus. Os
seguidores ultra-conservadores do citado por você, Plínio Corrêa de Oliveira
representam hoje todos estes que tramaram a liquidação de Jesus. Condenando o
enredo da Mangueira eles repetem a condenação de Jesus. A Mangueira está do
lado de Jesus. Os ultra-conservadores de hoje estão do lado de Caifás, de Anás,
de Judas e daqueles que gritavam:”Crucifica-o, crucifica-o”. Se houver algum
processo, que seja feito contra estes ultra-conservadores que desconhecem a
real fé cristã e por ofenderem a Jesus nos humilhados e ofendidos de nossa
história atual.
Mangueira 2020
Tanto a sinopse quanto o
samba da Mangueira dizem que Jesus são muitos. A sinopse tem o seguinte trecho:
“Na cruz, ele é homem e é também mulher. Ele é o corpo indígena nu que a igreja
viu tanto pecado e nenhuma humanidade. Ele é a ialorixá que professa a fé apedrejada
e vilipendiada. Ele é corpo franzino e sujo do menor que você teme no momento
em que ele lhe estende a mão nas calçadas. Na cruz, ele é também a pele preta
de cabelo crespo. Queiram ou não queiram, o corpo andrógino que te causa
estranheza, também é a extensão de seu corpo”. Essa forma de retratar Jesus tem
causado reações mais irritadas e causado polêmica. Por que isso acontece? E o
que acha dessa visão de Jesus, mais humano?
R: A sinopse é verdadeira,
pois Jesus são de fato muitos, isto é, todos os que tiveram e estão tendo o
mesmo destino de Jesus: os oprimidos pelos latifundiários, os explorados pelos
patrões, as mulheres violentadas, as crianças estupradas, os LGBT
discriminados. Todos estes atualizam a paixão de Jesus. Tem mais. Jesus como
homem representa toda a humanidade, masculina e feminina. A Igreja ensina que
Jesus assumiu tudo o que é humano. Se não tivesse assumido todo o humano, não
teria sido o salvador e libertador de todos. Em outras palavras: se não tivesse
assumido o lado feminino não teria redimido as mulheres que são mais da metade
da humanidade. Sabemos hoje que em cada pessoa há a dimensão masculina (o
animus) e simultaneamente a dimensão feminina (a anima). Todos sem exceção
possuem estes dois lados. Por que estas duas dimensões, masculina e feminina,
não estariam presentes também em Jesus? Lógico que estão, pois caso contrário,
não seria plenamente humano.
Historicamente, o
cristianismo e o Carnaval das escolas de samba sempre tiveram uma relação
turbulenta. Há casos famosos, como o Cristo mendigo da Beija-Flor, em 1989, que
desfilou coberto por força de ordem judicial. No entanto, nos últimos anos,
houve alguma aproximação da igreja católica, que prefere acompanhar o
desenvolvimento de enredos do que partir para o confronto. Como vê essa
mudança? Acha que o samba pode servir para aproximar Jesus das pessoas?
R: Há uma parte da Igreja
que prefere ver apenas o Jesus glorioso, o Rei do Universo, Jesus Deus que toca
o mundo pecador apenas com a fímbria de seu manto. Essa visão é reducionista.
Ele é Rei sim mas com coroa de espinhos e não de ouro e de joias, é Deus sim,
mas um Deus encarnado em nossa miséria, que tem fome e sede, que se alegra e
que chora pela morte de seu amigo Lázaro. A primeira visão é adulçorada e
contrária â história narrada pelos evangelhos. Estes mostram um Jesus homem
como nós que abraça as crianças, que se compadece dos doentes, que multiplica
pães e peixes para atender um povo faminto, um Jesus que é amigo de duas
mulheres queridas, Marta e Maria, que se irrita porque se fazem negócios dentro
do lugar sagrado, derruba as mesas com as moedas e toma o chicote e escorraça
esses vendilhões. Ele é plenamente humano em cada uma destas situações. Mas
principalmente foi aquele que a Mangueira bem canta que “enxuga o suor de quem
desce e sobre a ladeira, que vive um amor sem fronteiras, que se coloca na
fileira contra a opressão”. Esse é o Jesus verdadeiro, aquele que é solidário,
que suscita esperança “que brilha mais que a escuridão”. A Mangueira deixa uma
mensagem importantíssima que vale para o mundo atual, tirada do projeto de
Jesus: “Não tem futuro sem partilha”. A humanidade inteira está mal porque os
ricos não partilham. 1% possui a riqueza dos 99% seguintes. Só os pobres
partilham o pouco que têm. E dá uma indireta clara e bem merecida ao atual
governante:” Não há Messias de arma na mão”. O enredo termina com o que é mais
importante na fé cristã: O domingo da ressurreição. Diz isso poeticamente: “Num
domingo verde-e-rosa ressurgi pro cordão da liberdade”. Liberdade e amor são os
bens mais preciosos que temos. Para confirmar isso, Cristo ressuscitou. A
Mangueira, com seu enredo e sua arte, fez uma pregação melhor do que qualquer
uma, de padre, de bispo ou de cardeal. A Mangueira está na linha do Papa
Francisco que repete: Jesus veio para nos ensinar a viver, o amor, a
solidariedade, a esperança e o gesto de ternura.
Como o senhor pretende
acompanhar a Mangueira?
R: Dizem por ai que
gostariam que eu desfilasse na Escola da Mangueira. Seria uma espécie também de
homenagem à Teologia da Libertação, subjacente no enredo. Eu penso assim: cada
um deve conhecer o seu lugar. Acho que o lugar do teólogo, por mais que apoie
os pobres, o povo e reconheça o alto valor do enredo da Mangueira, não é no
desfile da escola mas, no máximo, na plateia no meio do povo, desfrutando da
beleza e aplaudindo. Assisti da plateia a muitos carnavais. Agora no tramontar
da vida e com alguns achaques, meu lugar é apoiar a Mangueira e felicitá-la por
esse belo, profundo e verdadeiro enredo, dentro do melhor da fé cristã, fé
radicalmente humana, fé libertadora.
Leonardo Boff
sábado, 25 de janeiro de 2020
Padre "Gegê" - Enredo da Mangueira
Divulgando...
“Sou padre há 25 anos (jubileu) na diocese do Rio de Janeiro, mestre em teologia sistemático-pastoral pela PUC-RJ e doutor em ciência da religião pela PUC-SP. Como religioso católico, acolho a notícia do samba enredo da Mangueiira para o carnaval de 2020 como uma provocação às igrejas cristãs amordaçadas neste momento dramático e trágico na história do Brasil. Provocar (“provocare”) é “chamar para a briga”, incitar, desafiar… Desse modo, o enredo da Mangueira de 2020 “A VERDADE VOS FARÁ LIVRES” pode constituir um desafio aos que se dizem cristãos!
Certa feita, num livro antigo de Leonardo Boff, conheci o termo “profecia externa”. Para o teólogo, a expressão se referia a possibilidade de a sociedade, de diversificada forma, exercer a profecia, isso é, falar em nome de Deus na defesa da vida. Dizendo de outro modo, pessoas e grupos, como, por exemplo, movimentos sociais, em princípio, não religiosos, podem, as vezes com mais coragem do que os que se dizem seguidores ou seguidoras de Jesus, viver e lutar por um mundo de amor, justiça, igualdade, democracia e paz.
Nesse horizonte, recebo o enredo da Mangueira como “profecia externa”. O último pleito eleitoral revelou setores cristãos (católicos e evangélicos) despudoradamente aliados à grupos políticos promotores da violência e da matança dos pobres e indefesos. De forma explícita e velada grupos cristãos se apresentaram como coniventes dos esquadrões da morte. E todos esses grupos tem hoje nas mãos o sangue dos Wajãpi e responderão no juízo final por suas vidas brutalmente ceifadas. Muitos cristãos, sobretudo da hierarquia religiosa, jamais seriam capazes de assassinar, mas isso não os impede de amolar a faca para que outros o façam.
Em resumo, a capacidade de o cristianismo ser aliado dos vitimizados da história foi mais uma vez, terrivelmente, posta em cheque. De que lado estão os cristãos: do lado das vítimas ou dos carrascos? A Bíblia está repleta da denúncia acerca de profetas que se venderam e se calaram diante das atrocidades da história . O próprio Jesus aventou a possibilidade de, em face do silenciamento dos profetas, as pedras se pronunciarem na defesa da vida (“as pedras gritarão”). Então, é na contramão da apresentação, por parte de muitos cristãos, de um Jesus Cristo “açucarado”, conivente e insensível ante a dor dos pobres e segregados de toda sorte (indígenas, negros, mulheres, gays, terreiros etc..), que a Estacão Primeira de Mangueira, a meu juízo, profeticamente, pode estar mais próxima do Jesus dos Evangelhos do que muitos que não tiram a Bíblia debaixo dos braços e sabem citar de cor quaisquer capítulos ou versículos. Terá a narrativa da Mangueira mais pertinência e relevância que a dos doutos (e quase sempre arrolhados e encastelados) biblistas?
A propósito, o termo “Evangelho” quer dizer notícia feliz, interessante, oportuna e significante… De certo, é razoável pensar que o que interessa às vítimas seja diametralmente oposto ao que interessa aos verdugos; a notícia oportuna a senzala não é a mesma desejada pela casa grande. Considerando que Jesus não é propriedade privada de nenhuma igreja e que o Espirito Santo é livre e, por isso, fala onde quer e como quer, é possível pensar num Deus falando na Sapucaí, infelizmente, as vezes de forma mais potente do que nas igrejas.
Ler o Evangelho é também um ato político, uma interpretação que nasce de um “lugar de fala”, nos termos de Djamila Ribeiro. E não existe leitura – inclusive, bíblica – neutra! Praza Deus, o discurso da Mangueira, como diz Conceição Evaristo, consiga, na potência evangélica do samba, acordar a casa grande de seus sonos injustos! A Verdade que liberta o oprimido, ao mesmo tempo, desnuda e denuncia as mentiras do opressor!
Desejo, pois, que as igrejas cristãs se convertam do olhar colonialista , preconceituoso e racista para com o carnaval e tantas outras expressões culturais e religiosas afro-brasileiras. É hora de passarmos de uma política vincadamente policialesca para uma política do diálogo e da troca positiva. Ademais, o samba também evangeliza, inclusive aos que se dizem cristãos! Se as “pedras” podem profetizar, por que o samba não pode? Vale repetir: o Espírito Santo é livre e sopra onde quer! As vezes fala onde menos se espera… Deus é desconcertante! Da minha parte, como pesquisador das religiosidades das populações subalternizadas, estou, pessoal e visceralmente, ansioso e esperançoso para ver/ouvir a exegese bíblica do Samba, a versão, a hermenêutica decolonial de Leandro Vieira – o Evangelho de Jesus segundo a Estacão Primeira de Mangueira!”
–
*Padre Geraldo Natalino – mestre em teologia e doutor em ciência da religião – é conhecido popularmente no Complexo de Manguinhos como Padre “Gegê”.
“Sou padre há 25 anos (jubileu) na diocese do Rio de Janeiro, mestre em teologia sistemático-pastoral pela PUC-RJ e doutor em ciência da religião pela PUC-SP. Como religioso católico, acolho a notícia do samba enredo da Mangueiira para o carnaval de 2020 como uma provocação às igrejas cristãs amordaçadas neste momento dramático e trágico na história do Brasil. Provocar (“provocare”) é “chamar para a briga”, incitar, desafiar… Desse modo, o enredo da Mangueira de 2020 “A VERDADE VOS FARÁ LIVRES” pode constituir um desafio aos que se dizem cristãos!
Certa feita, num livro antigo de Leonardo Boff, conheci o termo “profecia externa”. Para o teólogo, a expressão se referia a possibilidade de a sociedade, de diversificada forma, exercer a profecia, isso é, falar em nome de Deus na defesa da vida. Dizendo de outro modo, pessoas e grupos, como, por exemplo, movimentos sociais, em princípio, não religiosos, podem, as vezes com mais coragem do que os que se dizem seguidores ou seguidoras de Jesus, viver e lutar por um mundo de amor, justiça, igualdade, democracia e paz.
Nesse horizonte, recebo o enredo da Mangueira como “profecia externa”. O último pleito eleitoral revelou setores cristãos (católicos e evangélicos) despudoradamente aliados à grupos políticos promotores da violência e da matança dos pobres e indefesos. De forma explícita e velada grupos cristãos se apresentaram como coniventes dos esquadrões da morte. E todos esses grupos tem hoje nas mãos o sangue dos Wajãpi e responderão no juízo final por suas vidas brutalmente ceifadas. Muitos cristãos, sobretudo da hierarquia religiosa, jamais seriam capazes de assassinar, mas isso não os impede de amolar a faca para que outros o façam.
Em resumo, a capacidade de o cristianismo ser aliado dos vitimizados da história foi mais uma vez, terrivelmente, posta em cheque. De que lado estão os cristãos: do lado das vítimas ou dos carrascos? A Bíblia está repleta da denúncia acerca de profetas que se venderam e se calaram diante das atrocidades da história . O próprio Jesus aventou a possibilidade de, em face do silenciamento dos profetas, as pedras se pronunciarem na defesa da vida (“as pedras gritarão”). Então, é na contramão da apresentação, por parte de muitos cristãos, de um Jesus Cristo “açucarado”, conivente e insensível ante a dor dos pobres e segregados de toda sorte (indígenas, negros, mulheres, gays, terreiros etc..), que a Estacão Primeira de Mangueira, a meu juízo, profeticamente, pode estar mais próxima do Jesus dos Evangelhos do que muitos que não tiram a Bíblia debaixo dos braços e sabem citar de cor quaisquer capítulos ou versículos. Terá a narrativa da Mangueira mais pertinência e relevância que a dos doutos (e quase sempre arrolhados e encastelados) biblistas?
A propósito, o termo “Evangelho” quer dizer notícia feliz, interessante, oportuna e significante… De certo, é razoável pensar que o que interessa às vítimas seja diametralmente oposto ao que interessa aos verdugos; a notícia oportuna a senzala não é a mesma desejada pela casa grande. Considerando que Jesus não é propriedade privada de nenhuma igreja e que o Espirito Santo é livre e, por isso, fala onde quer e como quer, é possível pensar num Deus falando na Sapucaí, infelizmente, as vezes de forma mais potente do que nas igrejas.
Ler o Evangelho é também um ato político, uma interpretação que nasce de um “lugar de fala”, nos termos de Djamila Ribeiro. E não existe leitura – inclusive, bíblica – neutra! Praza Deus, o discurso da Mangueira, como diz Conceição Evaristo, consiga, na potência evangélica do samba, acordar a casa grande de seus sonos injustos! A Verdade que liberta o oprimido, ao mesmo tempo, desnuda e denuncia as mentiras do opressor!
Desejo, pois, que as igrejas cristãs se convertam do olhar colonialista , preconceituoso e racista para com o carnaval e tantas outras expressões culturais e religiosas afro-brasileiras. É hora de passarmos de uma política vincadamente policialesca para uma política do diálogo e da troca positiva. Ademais, o samba também evangeliza, inclusive aos que se dizem cristãos! Se as “pedras” podem profetizar, por que o samba não pode? Vale repetir: o Espírito Santo é livre e sopra onde quer! As vezes fala onde menos se espera… Deus é desconcertante! Da minha parte, como pesquisador das religiosidades das populações subalternizadas, estou, pessoal e visceralmente, ansioso e esperançoso para ver/ouvir a exegese bíblica do Samba, a versão, a hermenêutica decolonial de Leandro Vieira – o Evangelho de Jesus segundo a Estacão Primeira de Mangueira!”
–
*Padre Geraldo Natalino – mestre em teologia e doutor em ciência da religião – é conhecido popularmente no Complexo de Manguinhos como Padre “Gegê”.
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